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26 de novembro de 2011


Amigo Leitor de Literacia,

Em nosso Editorial de hoje, compartilho com Você uma Mensagem de Filipa Saanan, nossa saudosa Colunista e minha especial e querida Amiga, que – apesar de sua breve passagem por este planeta, soube como poucos escrever sua história com honra, lucidez, patriotismo, fraternidade e principalmnete partilhar a plenitude do amor universal.
Filipa nos deixou seu  legado precioso: Licões de Vida !

Recomendo a todos uma  leitura atenta ,  mais que uma simples mensagem afetiva , Filipa nos permite refletir e apreender em cada palavra o que é ser Gente.

Rio de Janeiro , 17 de setembro de 2011
De: Filipa Saanan
Para: Nana Merij


Nana, minha amada e especial amiga:

Sei que a luta se avoluma, sei que o quadro se agravou, a indicação de nova série de quimioterapia é sinal vermelho: por tal paro e penso. Penso que os dias se encurtam , penso que a batalha cresce, penso que preciso ser mais rápida que o tempo a se desenhar breve- brevíssimo, para mim.

Rosa tem sido o Anjo que me guarda e ampara, seja nos momentos de insuportáveis dores, seja nos espaços mínimos de alívios. Não editei um livro de queixas e reclamações, todavia interditei escuridões, pânico e inutilidades- estas principalmente. Estabeleci um calendário próprio, nele gravados apenas os minutos, as horas... aboli os dias : seriam longos demais para o  confronto com imprevisível , que nem mesmo os médicos ousam olhar de frente.
E nestas parcas horas que tenho, busco o melhor que ainda alcanço.

Tenho ido [sempre que consigo] ao INCA, ver Sinval, falar com as Mães-que me tornei próxima, conversar com os Pequenos aos quais me afeiçoei. Não em busca de consolos, não creio que nossa dor se reduza diante a dor alheia, dá-se o inverso, multiplica-se. Porque a indiferença foge do dicionário de nosso espírito , quando injustiças e desigualdades escarradas em nossa cara , sem pudor de existirem.

A cada ida, sofro renovados abalos sísmicos em minha fé [já baldia], sofro vergonha dos Homens Públicos deste País, que roubam dos mais fracos, assassinando assim seus direitos , impedindo a Vida dos que nada tem, nem mesmo Voz para suplicar ou pedir. 

Dói tanto, Nana. Dói mais forte que esta dor contumaz derivada do câncer que me toma. Dói, porque a impotência nos toma- estamos desarmados diante d’Eles, formam um exercito de “honoráveis bandidos”.
E a dor maior é a Vergonha que sinto de mim, diante a abominável certeza:
-somos responsáveis pelos desmandos de cada Canalha içado aos Cargos Públicos- com nossos votos.
Sinto vergonha de mim, porque tenho amarras que não sei soltar, sinto vergonha de mim porque meu grito é frágil e minhas armas nulas.

Quisera uma concessão de prazos, um milagre quem sabe.. para me agigantar  e ser mais potente , posto que maior que esta  fragilidade assumida  é a vontade hercúlea  que me invade de descobrir um jeito deste status quo, mudar: pouco que fosse.
Hoje senti asco aqui no INCA [ainda que dos serviços de saúde pública seja o menos pior], disse impropérios, declinei leis, clamei por caridade e compaixão, inutilmente:
-Alice dos Santos -35 anos, mãe de 03 meninos, residente em Bonsucesso, com câncer no ovário, com prescrição de quimioterapia, só poderá iniciar o tratamento dentro de 04 meses, pois vagas não há! Claro, recebeu sentença certa, de que logo-logo morrerá, sem mesmo se tratar.

Diante este fato, minha Amiga, sinto vergonha até, de ter condições financeiras para sustentar meu tratamento, nesta via crucis que estou a trilhar.

Tento com todas as forças me poupar do que se passa além daqui, do que se mostra mais cruel e perverso que estas células doentes a me devorar, ai reside minha maior fraqueza. Apesar de a primavera ter se derramado inteira por meu jardim, inverno-me pelos minutos restantes... [?], entre algumas revoltas e muita ira, porque apesar da interdição constituída, o mundo-cão entra pelas frestas, rasga minhas cortinas e despeja todas as insanidades que se renovam e se multiplicam de forma sempre mais cruel e ensandecida.
Desculpas por este desabafo, que não consegui calar.

Nana, sobre sua Literacia- que admiro [por sua missão e destacadamente pela seleta plêiade de Colunistas] acredito-me impedida de manter a Coluna, tem sido difícil escrever, e não por falta de motivos, sim pelas dores. Separei minhas cadernetas de anotações e textos, quando vier lhe entrego, tome-as como suas, use se lhe aprouver.

Saudades e bem querer sempre.
Filipa Saanan


Para apreciação de todos, uma Edição primorosa, com as Letras Magnas de nossos Brilhantes Colunistas, com seus ensaios, resenhas, críticas e análises sociais e politicas, música, sátiras, artigos e crônicas e. claro: muita poesia.

Acesse cada Coluna, além de muita partilha de conhecimentos , Você terá um diálogo crítico da melhor qualidade , esteja certo.

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